Sempre que realizamos um negócio, temos alguma expectativa sobre ele. Quando se trata de uma casa ou apartamento, ela se torna ainda maior. No entanto, podem ocorrer mudanças que nos levam à rescisão de contrato imobiliário. Uma crise econômica pode levar a construtora à falência ou fazer com que você perca o emprego. Como manter a relação contratual? É impossível.
Por esse e outros motivos, uma das partes pode se retirar da relação, desde que arque com as consequências da rescisão de contrato imobiliário. Entenda melhor como se dá o fim do contrato, a lei que trata do assunto e outros pontos fundamentais sobre o tema.
Rescisão de contrato imobiliário
A rescisão de contrato imobiliário (ou distrato imobiliário) ocorre quando uma das partes ou ambas já não possui mais interesse ou capacidade de manter a relação. Quando falamos da compra e venda de um apartamento, a rescisão gera consequências diferentes para o lado que deseja finalizar o contrato.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui muitas decisões sobre a rescisão de contrato imobiliário. O conjunto dessas decisões, chamado de jurisprudência, fez com que o tribunal consolidasse seu entendimento sobre o tema em um enunciado, chamado de súmula.
De acordo com a súmula 543, “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
Perceba que existem duas situações: devolução integral dos valores (culpa exclusiva do vendedor/construtora – em casos de atraso, por exemplo) ou parcial (culpa do comprador).
Distrato imobiliário por desistência do comprador
O distrato imobiliário pode ocorrer porque o consumidor desistiu da compra. Mas quais os principais motivos da desistência por parte do comprador?
Como pontuamos, uma crise econômica pode afetar a capacidade financeira do consumidor. Se ele não possui mais recursos para continuar o pagamento, o melhor a se fazer é finalizar o contrato.
Mas a desistência pode ocorrer lá no início da relação, caso ocorra negativa de financiamento.
Se estiver certo sobre a desistência, o comprador pode solicitar a rescisão de contrato imobiliário até a entrega das chaves. Quando o financiamento ainda não tiver sido liberado pelo banco, a rescisão deve ser feita diretamente com a construtora.
Mesmo se ele tiver alguma pendência com a construtora, é seu direito solicitar o distrato. Assim diz a Súmula nº 1 do Órgão Especial do TJ-SP: “O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.”
No entanto, nem sempre ele recuperará o valor investido, o sinal ou a entrada. Em geral, em caso de distrato pelo comprador, a construtora pode reter uma porcentagem do valor pago, que varia em função de cada contrato assinado.
Em média, a porcentagem gira em torno de 20% nos casos que antecedem a nova lei do distrato imobiliário, editada em dezembro de 2018. Para as situações que se enquadram na nova lei, a porcentagem pode ser de 25% (casos normais) e 50% (casos de patrimônio de afetação).
O ponto de atenção no distrato imobiliário solicitado pelo comprador é essa multa (retenção de valor). Muitas construtoras podem, no momento do acordo e da formalização do distrato, reter porcentagens abusivas dos valores pagos. Por isso, é importante estar atento antes de assinar qualquer acordo.
Distrato imobiliário por culpa da construtora
A construtora também pode ser responsável pela rescisão de contrato imobiliário. Isso ocorre em 3 situações:
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Em caso de atraso na entrega da obra (comprador também recebe a multa pelo inadimplemento contratual);
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Inconsistência entre o imóvel e o que foi apresentado no projeto do real;
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Problemas com o imóvel.
Uma boa dica é guardar todos os folders publicitários entregues pela construtora na divulgação do imóvel. Eles servirão como meio de prova do abuso, se existir.
Quando ocorre culpa exclusiva da construtora, a justiça determina a restituição de 100% do valor pago pelo comprador, acrescido de juros e correção monetária, no momento da rescisão do contrato, sem multas.
Uma situação comum sobre os problemas com o imóvel são os vícios na construção. Eles são muito comuns, porque a construtora tem pressa em terminar a obra e vender as unidades, sem que isso implique em tomar os cuidados necessários.
Quando há vícios, o comprador tem garantia de 5 anos para requerer a reparação do imóvel (de forma amigável ou por meio de ação judicial) ou a rescisão do contrato de compra e venda.
Se a reforma não for possível diante da ocupação do imóvel por pessoas, a construtora também deverá arcar com despesas em hotéis ou similar até finalizar a reparação.
Lei do Distrato
A Lei do Distrato (Lei 13.786/18) foi editada em dezembro de 2018 e trouxe novos contornos para a rescisão de contrato imobiliário. A primeira ressalva a ser feita é que a lei só se aplica aos contratos de compra e venda de imóvel assinados após dezembro de 2018.
Um dos pontos de destaque é a multa mais severa para o consumidor que rescinde o contrato de compra de imóvel. Agora, a multa para o comprador pode variar entre 25% e 50% dos valores pagos, além do desconto da taxa de corretagem, impostos e condomínios. Nas situações mais comuns, como falta de pagamento, a multa fica no limite mais baixo.
No entanto, a nova lei do distrato não pode ser aplicada para contratos assinados antes de dezembro de 2018, ainda que a rescisão tenha ocorrido depois. Neste caso, a multa máxima aceita é de 20%.
A construtora só retém 50% do que foi pago nos casos em que o imóvel foi comprado em patrimônio de afetação após dezembro de 2018. Falaremos adiante sobre o patrimônio de afetação.
Veja a seguir um resumo da Lei do Distrato, que trata da rescisão de contrato imobiliário pelo comprador.
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O comprador faz jus à restituição das quantias que houver pago à construtora;
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A quantia será atualizada com base no índice estabelecido em contrato para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel;
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O comprador perderá integralmente os valores pagos a título de comissão de corretagem;
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Haverá cobrança de multa compensatória, que não poderá exceder 25% do valor pago ou 50%, se houver patrimônio de afetação;
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Se o imóvel já foi disponibilizado ao comprador, ele responderá pelas quantias relativas aos impostos reais que incidem sobre o imóvel, pela taxa de condomínio, pelo valor correspondente à fruição do imóvel (0,5% sobre o valor atualizado do contrato), por outros encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato;
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O comprador terá à sua disposição o valor pago após 180 dias do distrato imobiliário; em caso de patrimônio de afetação, após 30 dias da obtenção do “Habite-se”.
(Veja outros direitos que você não sabia que tinha, com indenizações de R$ 5 mil a R$ 10 mil)
Atraso de obra
A rescisão de contrato imobiliário em caso de atraso de obra dá ao comprador o direito de ser restituído integralmente, inclusive com recebimento de multa prevista em contrato, em até 60 dias após o distrato.
Em casos de atraso, o comprador terá direito à indenização de 0,5% ao mês sobre o valor do imóvel.
Patrimônio de afetação
Para saber em detalhes o que é patrimônio de afetação, leia mais aqui.
Em resumo, com a nova Lei do Distrato Imobiliário, os novos contratos assinados após dezembro de 2018 podem ter uma multa de 25% a 50% em caso de cancelamento:
- Contratos assinados antes de dezembro de 2018 têm multa máxima de 20%;
- Contratos assinados depois de dezembro de 2018 têm multa de 25% em caso de cancelamento normal e 50% em caso de patrimônio de afetação;
- É obrigatório nos casos de patrimônio de afetação estar registrado na escritura/matrícula do imóvel. Se não houver registro no cartório, a multa máxima é de 25%.
Multa abusiva na rescisão de contrato imobiliário
Uma situação que gera muita discussão na rescisão de contrato imobiliário é o valor da multa. Nos contratos anteriores à Lei do Distrato, os tribunais brasileiros estabeleciam como média o valor de 20%. Com a Lei, a multa é de 25% ou 50% (patrimônio de afetação).
Mesmo assim, existem construtoras que tentam se beneficiar do distrato, cobrando 50%, 70% e até 100% de multa. Diante dessas situações, o comprador deve ficar atento e procurar auxílio jurídico para que seja ajuizada uma ação para reduzir tais valores.
Um advogado especialista em imóveis é o profissional mais adequado para tratar desses casos de rescisão de contrato imobiliário. Além de analisar as cláusulas contratuais em questão, está atualizado quanto à recente Lei do Distrato. Isso implica a análise sobre eventual patrimônio de afetação e abusividade em relação à multa.
É também ele que poderá fundamentar a ação com base no posicionamento dos tribunais sobre a multa abusiva.
Posicionamento dos tribunais
Na Apelação Cível nº. 1011401-80.2017.8.26.0002, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a magistrada pontuou a vedação feita pelo artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o CDC, nos contratos de compra e venda de imóvel que prevêem pagamento parcelado, a construtora não pode reter o total das parcelas pagas em caso de rescisão de contrato imobiliário.
A juíza pontuou que o percentual de retenção de 20% é adequado para compensar os prejuízos decorrentes do fim da relação contratual, ressaltando que, inclusive, é a média adotada pela jurisprudência em casos semelhantes”.
O fundamento dessa posição é simples: qualquer previsão contratual que submeta o consumidor a uma situação extrema (perda total ou parcial do patrimônio do consumidor) deve ter uma contraprestação. Caso contrário, há violação do direito de propriedade e dá origem ao enriquecimento sem causa.
Isso porque o incorporador terá a propriedade do imóvel, tendo a possibilidade de revendê-lo posteriormente. A situação do consumidor se mostra, portanto, muito desvantajosa, como se ele estivesse assumindo todos os riscos da relação contratual, e a construtora/incorporadora não assumisse nenhum.
Diante dessa situação, os tribunais entendem que as cláusulas que fixam multas exorbitantes são consideradas abusivas, atentando contra a boa-fé e o equilíbrio contratual, por imputar ao consumidor uma desvantagem exagerada e assegurar ao construtor uma vantagem sem causa.
A rescisão de contrato imobiliário faz com que as partes retornem à situação anterior à compra e venda do imóvel. A parte que der razão ao distrato deverá suportar as consequências de seus atos. Quando se dá por culpa exclusiva da construtora, o consumidor poderá reaver integralmente todos os valores pagos.
Quando o distrato se dá por culpa do comprador, há a obrigação de pagar a multa estabelecida no contrato. Ela deve ser, em média, de 20% (contratos anteriores à Lei do Distrato), ou não pode ser superior a 25% ou 50% (após a Lei do Distrato).
Agora que você já sabe o que envolve a rescisão de contrato imobiliário, consegue compreender se no seu caso houve cobrança de multa válida ou abusiva pela construtora. Se acredita que sua multa é abusiva, veja como reduzir uma multa aplicada!
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Advogado inscrito na OAB/SP
Diretor-adjunto da Comissão de Direito Administrativo – OAB/SP
Membro da Comissão de Direito Urbanístico – OAB/SP
Membro do IBRADEMP (2012/2013)
Direito Tributário – Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Defesa dos Desapropriados
Master in Business Management – Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP
Entrepreneurship Program – Babson College, Boston, Estados Unidos
Escritor no blog Transformação Digital
Vencedor do prêmio ANCEC – Referência Nacional pela Inovação no Atendimento Online e Rápido
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