O corte de energia indevido é um problema bastante chato para o consumidor. Em algumas localidades, as quedas e os cortes são frequentes, causando milhares de transtornos para os ocupantes do imóveis. Não à toa, é um tema recorrente nos tribunais brasileiros.
Quem nunca escutou uma história que narra o corte de energia indevido com a conta paga? Ou aquela pessoa que ficou dias sem energia elétrica, mesmo tendo efetuado o correto pagamento da conta? Situações como essas são comuns, mas não deixam de ser ilegais. Por isso existem tantas ações judiciais que tentam reverter os prejuízos, sejam em residências ou em estabelecimentos empresariais, de um corte de energia indevido.
Pontuamos, a seguir, os principais pontos que você deve saber sobre o corte de energia indevido e como proceder diante dessa situação. Acompanhe!
Energia elétrica: serviço essencial
Para entender o corte de energia indevido, o consumidor deve compreender que a energia elétrica, assim como a água, é um serviço essencial e básico. E o primeiro ponto fundamental sobre isso é a continuidade. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 22, diz que o fornecimento de serviços básicos pelos órgãos que os administram deve ser contínuo:
Artigo 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”
Serviço adequado
O fornecimento de energia elétrica não deve ser somente contínuo, mas adequado, como frisa o Código de Defesa do Consumidor. Neste sentido, a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, afirma em seu artigo 6º:
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
Compreendido o que é serviço essencial e adequado, é possível entender quando ocorre corte de energia indevido. Mas, antes, veja quando ele ocorre dentro da lei.
Corte de energia dentro da lei
O corte de energia, para ser legal, não pode afrontar as características do serviço adequado. Especialmente a continuidade. Por isso, a Lei 8.987/95 faz ressalvas do que não é considerado descontinuidade do serviço:
Art. 6º, §3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I – motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
Em suma, o corte de energia pode ocorrer em situação de emergência ou mediante aviso prévio, nas duas hipóteses retratadas acima.
Suspensão legal do fornecimento de energia
O site da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) traz algumas hipóteses em que a distribuidora deve suspender o fornecimento de energia elétrica. O corte deve ocorrer se ela verificar que houve:
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Deficiência técnica ou de segurança na unidade consumidora que caracterize risco a pessoas, bens ou ao funcionamento do sistema elétrico;
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Religação de unidade consumidora à revelia da distribuidora;
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Revenda de energia;
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Ligação clandestina.
Há alguns casos em que a suspensão é facultativa e depende de aviso prévio, como:
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Não realização de correções de segurança indicadas na unidade consumidora;
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Impedimento de acesso para leitura ou substituição de medidor ou inspeções;
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Não pagamento da fatura.
Nos casos que dependem de notificação prévia, o aviso de suspensão deve obedecer a alguns requisitos. Ele deve ser escrito e específico, e sua entrega deve ser comprovada de forma individual ou impresso em destaque na própria fatura de energia. Assim, a distribuidora evita dúvidas quanto ao recebimento.
Além disso, a comunicação deve ser feita com antecedência mínima de 3 dias (razões de ordem técnica ou de segurança) ou 15 dias (casos de inadimplemento). Se isso não ocorrer, é caso de corte de energia indevido.
(Veja outros direitos que você não sabia que tinha, com indenizações de R$ 5 mil a R$ 10 mil)
Inadimplemento da fatura
A hipótese legal mais comum de corte de energia é o inadimplemento do consumidor. Não existe uma quantidade mínima de faturas abertas para permitir o corte. A distribuidora de energia elétrica pode suspender o fornecimento com apenas uma conta em débito. Novamente, o único requisito a ser obedecido aqui é a forma da notificação e a antecedência mínima de 15 dias.
Quando o aviso prévio é feito dentro do prazo, o corte de energia decorrente de inadimplemento deve ser feito no prazo máximo de 90 dias, contados do vencimento da conta. Caso a companhia elétrica não efetue o corte dentro desse prazo, ela não poderá mais suspender o fornecimento e deverá cobrar o débito administrativamente ou na Justiça.
É o que prevê o artigo 172, §2º, da Resolução 414/2010 da ANEEL:
§2º É vedada a suspensão do fornecimento após o decurso do prazo de 90 (noventa) dias, contado da data da fatura vencida e não paga, salvo comprovado impedimento da sua execução por determinação judicial ou outro motivo justificável, ficando suspensa a contagem pelo período do impedimento.
Vale destacar uma situação do consumidor inadimplente. Imagine que a empresa de energia tenha enviado um comunicado, dentro do prazo legal, sobre a suspensão no fornecimento de energia elétrica. Esse consumidor efetua a quitação do débito, mas a equipe da distribuidora se dirige a seu imóvel para efetuar o corte. O que fazer?
No momento da suspensão, basta apresentar o comprovante para a equipe que a energia não pode ser cortada. No entanto, a distribuidora pode cobrar o valor correspondente à visita técnica.
Corte de energia indevido
O corte de energia indevido ocorre quando é feito sem aviso prévio ao consumidor ou quando é realizada mesmo com o pagamento da fatura. É o que dispõe o artigo 174 da Resolução 414/2010 da ANEEL:
Art. 174. A suspensão do fornecimento é considerada indevida quando o pagamento da fatura tiver sido realizado até a data limite prevista na notificação para suspensão do fornecimento ou, ainda, quando a suspensão for efetuada sem observar o disposto nesta Resolução.
Ou seja, mesmo quando existe alguma pendência financeira, o corte feito sem aviso prévio é considerado abusivo. Caso o corte seja decorrente de uma cobrança que já foi paga, também é considerado abusivo.
Em alguns casos, o corte de energia indevido pode ocorrer por cobranças anteriores. É o caso de um consumidor que aluga um imóvel e tem luz, telefone ou água cortada por dívida de um inquilino anterior. Neste caso, o interrompimento no fornecimento do serviço também é abusivo.
Por isso, é importante que o consumidor guarde todos os comprovantes de pagamento das contas. Qualquer erro de análise por parte da distribuidora poderá ser sanado com eles.
Responsabilidade objetiva da distribuidora de energia elétrica
Quando a distribuidora efetua o corte de energia indevido, deverá responder pelos danos que causar ao consumidor. Isso está previsto na Constituição da República (art. 37, §6º) e no Código de Defesa do Consumidor (artigo que trata da prestação de serviço essencial adequado e contínuo):
CDC, art. 22, parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Constituição, art. 37, § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
É a chamada responsabilidade civil objetiva, que estabelece a Teoria do Risco Administrativo. Segunda essa teoria, basta que seja comprovado o fato (suspensão no fornecimento de energia) e a relação de causalidade entre ele e o dano suportado pelo consumidor atingido pelo corte de energia indevido.
Em outras palavras, a concessionária de energia elétrica responderá pelos danos causados pelo corte, sem que o consumidor precise comprovar culpa. A responsabilidade da empresa só será afastada se comprovada uma das causas excludentes de responsabilidade. As excludentes estão previstas no artigo 14, §3º, do CDC. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou se houver culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Isso ocorre, porque houve falha na prestação dos serviços.
Falha na prestação dos serviços
As empresas que cancelam o fornecimento de água, luz, telefone e internet injustificadamente ou sem comunicação prévia, exercem falha na prestação dos serviços, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
A prestação dos serviços também envolve o momento da religação, seja em caso de corte de energia indevido ou legal. Resolvido o problema que causou a suspensão do fornecimento, a distribuidora possui prazos para restabelecer o fornecimento.
No caso de unidade consumidora localizada em área urbana, possui 24 horas. Se localizada em área rural, tem 48 horas. Há distribuidoras que oferecem o serviço de religação de urgência, de 4 ou 8 horas (unidade consumidora localizada em área urbana ou em área rural, respectivamente).
Ação judicial e indenização
Ter um serviço essencial cortado injustificadamente ou por motivo inválido gera grande constrangimento social, que ultrapassa o mero aborrecimento do dia a dia. Isso porque é evidente a falha na prestação dos serviços de fornecimento de energia elétrica, como apontamos.
Se a distribuidora não restabelecer o serviço em até 24 horas (área urbana) ou 48 horas (área rural), é preciso obrigá-la à prática por via judicial. Com o auxílio de um advogado especialista em direito do consumidor, é possível mover uma ação judicial, obrigando a companhia a restabelecer o fornecimento do serviço e pleiteando indenização por danos morais.
O juiz dá um prazo, geralmente de 2 dias, para religar o serviço. Se esse prazo é descumprido, há aplicação de multa diária, entre R$ 500,00 e R$ 1.000,00. Além disso, é comum fixar uma indenização por danos morais, que variam entre R$ 5 mil e R$ 10 mil.
Em uma apelação interposta no TJ-SP em 2017, o autor disse que a distribuidora alegou inadimplemento do consumidor, ao passo que a empresa apenas afirmou que ocorreu falha na prestação dos serviços. Ou seja, houve corte de energia indevido.
Para o magistrado, “destaca-se não ter se tratado de meros aborrecimentos ou dissabores, eis que, em razão da indevida suspensão de energia elétrica, experimentou o autor todas as consequências da descontinuidade do serviço público essencial, em especial, preocupações e angústias decorrentes da impossibilidade de realização de atividades básicas do cotidiano, tornando-se portanto induvidoso o dever de reparar”.
Assim, fixou indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil.
Nada obsta, porém, que o magistrado fixe um valor maior do que essa média. Foi o que ocorreu no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que foi fixado o valor de R$ 35 mil de indenização por danos morais. Na ocasião, a distribuidora de energia enviou termos de ocorrência de irregularidade na casa da consumidora e cobrou diferença relativas às contas do período em que houve irregularidades. No entanto, não havia irregularidades, ocorrendo corte de energia indevido.
O corte de energia é uma grande dor de cabeça para o consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica. Algumas horas sem energia elétrica causa transtorno na rotina de qualquer pessoa, principalmente considerando que muitos hoje trabalham diretamente no computador. E o que dizer dos alimentos que podem se perder com a geladeira desligada?
Quando ocorre corte de energia indevido, essa situação é ainda pior, pois se constitui como uma falha na prestação dos serviços da concessionária e ultrapassa o mero aborrecimento. Nesses casos, eventuais danos que o consumidor sofrer devem ser reparados. Isso só ocorrerá por meio de ação judicial movida por um advogado especialista em direito do consumidor.
Se você se encontra na situação de corte de energia indevido, envie seu caso gratuitamente!
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Advogado inscrito na OAB/SP
Diretor-adjunto da Comissão de Direito Administrativo – OAB/SP
Membro da Comissão de Direito Urbanístico – OAB/SP
Membro do IBRADEMP (2012/2013)
Direito Tributário – Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Defesa dos Desapropriados
Master in Business Management – Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP
Entrepreneurship Program – Babson College, Boston, Estados Unidos
Escritor no blog Transformação Digital
Vencedor do prêmio ANCEC – Referência Nacional pela Inovação no Atendimento Online e Rápido
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